Quando “Sex and the City” voltou a ser a queridinha do TikTok, não foi exatamente uma surpresa que a GenZ decidisse revisitar a série que dominou as TVs no final dos anos 90 e começo dos anos 2000. No entanto, a questão que fica é: será que o retorno da série é uma vitória real ou apenas um truque nostálgico para atrair visualizações?
Situada nos bairros mais luxuosos da Ilha de Manhattan, New York City, a série que acompanhava as desventuras amorosas e fashionistas de Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha, sempre teve um charme peculiar.
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Mas se pararmos para refletir, será que esse charme não é mais um exagero de nossa memória coletiva, misturado com uma pitada de saudosismo? As críticas atuais dos jovens para com a série revelam uma série de desilusões que antes poderiam ter passado despercebidas.
São centenas de milhares dos famosos edits para os personagens, cortes de episódios nas redes sociais e o guarda roupa luxuoso da produção voltou a ser tendência depois do viral Y2K. Entre sucesso e polêmicas, o destaque que a série ganhou após entrar para o catálogo da Netflix fez a nova geração prestar mais atenção em hábitos que antes eram socialmente aceitáveis.
Veja alguns detalhes que deram o que falar nas redes:
Os delírios de riqueza de Carrie Bradshaw
A série é mais uma produção dos anos 90/2000 que romantiza em excesso ser jornalista. No universo de “Sex and the City”, ser jornalista parece significar viver despreocupado com contas, gastar livremente em roupas caras, e desfrutar de brunchs intermináveis com as amigas, enquanto se escreve sobre as próprias vidas sexuais vibrantes e caóticas. A realidade, porém, é bem diferente, e essa romantização exagerada ignora as pressões financeiras e emocionais que muitos jornalistas enfrentam.
As extravagâncias de Carrie e suas constantes mudanças de roupa são vistas agora mais como um desfile de egocentrismo do que uma celebração da moda. É quase como se a série estivesse tentando nos vender uma fantasia que, ao invés de ser aspiracional, se tornou um pouco caricata e datada. O glamour de Carrie Bradshaw, ao ser revisitado pela GenZ, perde parte do brilho e passa a ser encarado como um símbolo de uma era passada, onde a fantasia televisiva frequentemente superava a realidade.
A bifobia… e a transfobia… e o racismo…
Assim como a sua parente teen, Gossip Girl, os locais onde os personagens vivem tem extrema importância para o desenvolvimento da série. Do Upper East Side, bairro da elite nova iorquina, até o Greenwich Village, uma região mais boêmia da cidade, o grupo de amigas transita apenas nas delimitações de Manhattan (e nos bairros mais caros, diga-se de passagem).
Não é incomum notar em diversos episódios piadas com locais como o Harlen ou o Brox, e nem se fala do desprezado Brooklin — todos estes, bairros racializados e conhecidos por abrigarem a maior parte da população negra e latina da cidade.
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O ápice de preconceito acontece na terceira temporada, insultando todas as minorias que estavam disponíveis no set de gravação. No episódio 5, Samantha começa um relacionamento com um homem negro. Aliás, o primeiro personagem negro da série. Entre sexualização e estereótipos sobre o corpo negro, o ápice do drama acontece quando Samantha conhece a irmã do seu pretendente.
A personagem é recebida com hostilidade pela irmã, que a vê como uma intrusa branca em um espaço familiar negro. A cena, que na época foi tratada como um simples conflito interpessoal, é agora vista sob uma lente muito mais crítica, expondo o racismo e a fetichização envolvidos.
Esse episódio, em particular, é um exemplo claro de como “Sex and the City” falhou em representar a diversidade de Nova York, preferindo manter seus personagens principais em uma bolha elitista e predominantemente branca.
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E não é apenas o racismo que incomoda. A série também tem um histórico problemático em relação à bissexualidade e à identidade de gênero. No episódio anterior ao do “racismo reverso”, a bissexualidade é tratada como uma fase ou uma confusão temporária, com comentários depreciativos feitos pelos próprios personagens principais.
Miranda, por exemplo, descarta a possibilidade de namorar um homem bissexual, dizendo que “bissexuais são apenas gays indecisos”.
No final, “Sex and the City” pode ter encontrado uma nova vida no TikTok, mas é preciso lembrar que a série carrega consigo nuances que, embora fascinantes no contexto dos anos 90, agora são vistas sob uma luz diferente.
A moda é de fato deslumbrante, a cidade reluz e as personagens são (para a época) como o estandarte de uma nova era moderna. Mas tudo isso simplesmente perde o brilho ao reassistir a produção em 2024.
Foi trazido à tona as imperfeições e os exageros da série, e talvez, só talvez, a mágica de “Sex and the City” não seja tão duradoura quanto gostaríamos de acreditar. No fim, pode ser que a série seja uma nostalgia superestimada, não um eterno ícone de moda e relacionamento.